Autoria: Carolina Pitta e Cunha.
A Câmara de Comércio Internacional (CCI) procedeu recentemente a alterações à sua Nota às Partes e aos Tribunais Arbitrais sobre a Condução da Arbitragem conforme o Regulamento de Arbitragem da CCI (“Nota”).
A Nota da CCI visa oferecer a todos os intervenientes em arbitragens CCI (incluindo partes, tribunais arbitrais e secretários administrativos) uma orientação prática sobre a condução de arbitragens conforme o Regulamento de Arbitragem da CCI (cuja última alteração de fundo se deu em 2017).
Por ora apenas disponível em inglês, a nova versão da Nota é aplicável a todas as arbitragens CCI, independentemente da versão aplicável das Regras da CCI[1]. Significa isto que mesmo as partes e os tribunais arbitrais envolvidos em arbitragens iniciadas ao abrigo do Regulamento de 2012 devem orientar a condução dos seus trabalhos em função das orientações contidas na nova Nota.
A nova Nota, em vigor desde 1 de janeiro de 2019, introduz diversas alterações à sua anterior versão, destinando-se o presente texto a enunciar as principais dessas alterações.
1. Revelação por árbitros e candidatos a árbitros de circunstâncias relativas a “entidades relevantes” (secção III.A, parágrafo 24): a Nota esclarece que, no momento de identificar a necessidade de fazer uma revelação quanto à respetiva independência ou imparcialidade, os árbitros e candidatos a árbitros devem considerar potenciais relações com terceiros que, não sendo partes na arbitragem, possam ter interesse na decisão arbitral. Segundo a Nota, a Secretaria poderá ajudar com a identificação de “entidades relevantes”. Essa lista não isenta, porém, os árbitros e candidatos a árbitros de revelar potenciais relações havidas com outras “entidades relevantes” não identificadas pela CCI.
2. Assistência da Secretaria com a seleção e nomeação de árbitros únicos ou árbitros presidentes (secção III.B, parágrafos 32-22): segundo a nova Nota, a Secretaria poderá auxiliar as partes com a seleção e a nomeação de árbitros únicos ou árbitros presidentes, identificando numa lista potenciais candidatos e/ou informação não confidencial sobre potenciais árbitros.
3. Publicação de informação adicional sobre os tribunais arbitrais CCI no website da CCI, para arbitragens iniciadas a partir de 1 de julho de 2019 (secção III.C, parágrafo 36): além da informação atualmente disponível, sobre (i) os nomes dos árbitros, (ii) as respetivas nacionalidades, (iii) as respetivas funções no tribunal arbitral, (iv) o método da respetiva nomeação e (v) se a arbitragem está em curso ou já foi encerrada, serão igualmente publicados no website da CCI, para as arbitragens iniciadas a partir de 1 de julho de 2019: (vi) o setor da indústria envolvido e (vii) os advogados ou assessores jurídicos que representam as partes.
4. Publicação de sentenças até dois anos após a sua notificação, com base num procedimento de opt-out (secção III.D, parágrafos 40-46): em linha com o compromisso assumido pela CCI no sentido de facilitar e desenvolver o comércio internacional através da publicação e divulgação de informação sobre arbitragem internacional, a Nota da CCI contém uma nova secção dedicada à publicação de sentenças. Segundo o novo capítulo III.D, todas as sentenças arbitrais com data a partir de 1 de janeiro de 2019, poderão ser publicadas, na sua totalidade, até dois anos após a sua notificação às partes, com ressalva da eventual oposição das partes, de potenciais acordos de confidencialidade e das regras de proteção de dados aplicáveis.
5. Proteção de dados pessoais em conformidade com as regras de proteção de dados em vigor, incluindo o Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (secção VI.D, parágrafos 80-91): a Nota da CCI contém igualmente uma nova secção inteiramente dedicada à proteção de dados pessoais, na qual se prevê expressamente o dever das partes de assegurar que os seus representantes, as testemunhas, os peritos e outros eventuais sujeitos envolvidos na arbitragem estão cientes e aceitam a possibilidade de recolha, transferência, armazenamento e publicação dos respetivos dados pessoais. Segundo o parágrafo 87 da Nota, os tribunais arbitrais devem, para esse efeito, e em altura adequada (v.g., na Ata de Missão), recordar as partes e os demais intervenientes de que os seus dados poderão ser utilizados.
6. Orientações relativas a arbitragens baseadas em tratados de investimento (secção XI, parágrafos 139-142): considerando o crescente número de arbitragens entre Estados e investidores administradas pela CCI[2], e preocupações de transparência, a nova Nota introduz ainda uma nova secção sobre arbitragens baseadas em tratados. Segundo o capítulo XI, os candidatos a árbitros são encorajados a divulgar nos respetivos CVs uma lista completa de casos baseados em tratados nos quais participaram enquanto árbitros, peritos ou representantes das partes. A Nota esclarece ainda que as partes podem acordar na aplicação das Regras sobre Transparência da UNCITRAL (2014)[3] a arbitragens CCI. Além disso, e considerando a especificidade deste tipo de arbitragens, a nova secção XI determina que o exame prévio das sentenças baseadas em tratados deverá ser realizado por Vice-Presidentes e membros da Corte com experiência em arbitragem de investimento. A Nota estabelece ainda que tais sentenças poderão ser publicadas seis meses após a sua notificação, em lugar dos dois anos aplicáveis às demais sentenças.
7. Poder dos árbitros de aceitar declarações orais ou escritas por amici curiae e partes não envolvidas (secção XII, parágrafo 143): a nova versão da Nota esclarece também que, nos termos do Artigo 25(3), o tribunal arbitral pode, após consulta das partes, aceitar declarações por amici curiae.
8. Alteração da lista de tarefas específicas que podem ser confiadas aos secretários administrativos (secção XIX.B, parágrafos 183-188): finalmente, a nova Nota introduz ainda algumas alterações à sua longa secção sobre secretários administrativos. Entre as tarefas que os secretários podem desempenhar incluem-se agora, expressamente, a faculdade de se corresponderem com as partes para tratar de assuntos relativos à organização de audiências e reuniões, a redação de minutas e o envio de correspondência às partes, a preparação, para posterior revisão do tribunal, de projetos de ordens processuais e das partes factuais da sentença, incluindo as relativas à descrição do procedimento, à cronologia dos factos e à síntese das posições das partes[4]. Tal como resultava da anterior versão da Nota e vem expressamente ressalvado no comunicado online da CCI sobre a nova Nota, continua a ser estritamente inadmissível a qualquer tribunal arbitral delegar num secretário administrativo funções que envolvam a tomada de decisões e, bem assim, confiar, de qualquer outra forma, a um secretário administrativo o cumprimento de deveres essenciais de um árbitro[5].
[1] Nota, par. 2.
[2] ICC issues updated Note providing guidance to parties, 19 de dezembro de 2018, disponível em https://iccwbo.org/media-wall/news-speeches/icc-issues-updated-note-providing-guidance-parties/ (consultado em 11 de janeiro de 2019).
[3] UNCITRAL Rules on Transparency in Treaty-based Investor-State Arbitration (2014).
[4] Nota, par. 185.
[5] Nota, par. 184.
Por defeito, este website usa cookies. Estes cookies destinam-se a otimizar a sua experiência de navegação neste website. Saiba mais